sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

BOÉCIO - A Roda da Fortuna


A Consolação da Filosofia


O sentido da "consolação da Filosofia" .

Para entendermos o sentido da consolação da filosofia, temos que primeiramente recorrer ao contexto em que esta obra fora escrita.

Após mergulhar neste belíssimo texto que enaltece a "pessoa" da Filosofia e nem por isso perde sua essência de rica literatura e forte traços teológicos, o autor cria seu próprio consolo dialogando com ele mesmo, como seu intimo, e num reflexivo debate encontra conforto para seu momento de dor.

Boécio escreveu esta obra num cenário funéreo, onde esperava pelo cumprimento de sua sentença, ou seja, espera pela sua morte. Nos momentos em que não estava sofrendo torturas escreveu em pequenas tabuletas este dialogo que, certamente seria uma forma de se compreender muitos valores que ao longo da vida todos nós perdemos com maior ou menor intensidade.

É neste sentido de próprio auxílio e conforto que Boécio percebe que a felicidade, o bem, a liberdade tem um valor muito maior ao que somos acostumados a perceber no nosso cotidiano.

Neste anseio de ser confortado, o autor nos apresenta o conceito de virtude, felicidade, bem e liberdade, dos quais tentarei descrevê-los conforme meu entendimento.

Felicidade, Bem, Liberdade

Para tentar exemplificar os conceitos solicitados tive a preocupação de metaforicamente compará-los como vários rios que deságuam num mesmo mar, ou seja, quero demonstrar que cada um na sua particularidade aponta para um mesmo conceito supremo que entendemos por Deus. Vamos juntos construir nosso entendimento e ver o que a leitura desta obra pode nos ajudar na compreensão da vida e da morte.

Para Boécio a felicidade plena só se encontra em Deus que é fonte de toda perfeição e não contem nada de corruptível. Mesmo chegando a esse raciocínio o filosofo não abandona a existência da felicidade fragmentada que podemos encontrar em coisas materiais, emocionais e até mesmo espirituais.

Como por exemplo, quando nos felicitamos pela chegada de um amigo em nosso meio, esta felicidade é fragmentada, mas nem por isso deixa de ser felicidade, portanto não e plena. O gosto de saborear um alimento, bem preparado, que sacia nossa fome é uma forma de ter fragmento de felicidade, pois nos proporciona o gozo momentâneo de curar uma dor que é a fome, imagino eu.

Da mesma forma que a felicidade plena só se encontra em Deus, para Boécio o Bem em sua totalidade também só é descoberto em Deus.

Seguindo a mesma linda de pensamento, o autor, ainda neste caso, não descarta a existência de bens menores que tem sua importância e necessidade para termos um bom viver. È o caso de uma bela obra, uma jóia, o dinheiro, uma boa casa. Todos estes são bens que nos atendem em nossas necessidades temporais. Tais bens têm a função de nos proporcionar conforto, tranqüilidade e segurança, por isso são aceitos pelo prisioneiro.

Percebi que, o mal uso destes bens, ou sua super valorização pode nos fazer infelizes, cativos e nos privar da liberdade. Pode ainda nos afastar do Bem maior e fazer com que percamos o foco de nossa vida.

Segundo o texto, para que possamos alcançar a plena liberdade temos que estar cientes das margens dos bens menores e da felicidade fragmentada. Para que não nos tornamos prisioneiros destas coisas corruptíveis, pois se são corruptíveis perdem sua essência real, e se a perde pode nos frustrar, com isso podemos perder tanto os bens quanto a felicidade e ainda nos engaiolarmos em nosso próprio íntimo.

Quando nos deixamos dominar pelo desejo de sempre ter mais bens, dinheiro, poder, projeção social perdemos o sentido da vida e nos tornamos reféns destes. Se acaso somos acostumados com a riqueza e vemos nela a única fonte que proporciona liberdade, dando-nos condições de comprar tudo, ir para onde quisermos e sermos o dono de tudo o que bem menor, corremos o risco de sermos decapitados pela roda da fortuna que ora está num ângulo, ora em outro. Neste sentido depois de termos passado pela felicidade, o bem e a liberdade quero dedicar algumas linhas ao meu entendimento boeciano quando se trata da virtude. Se o excessivo apego aos bens materiais pode nos causar infelicidade e pode nos aprisionar numa "realidade ilusória", chegamos a conclusão que o homem virtuoso é aquele que sabe distinguir e convier harmoniosamente com ou sem os bens menores e a felicidade fragmentada, não se tornado prisioneiro de nada que contem corrupção. O homem virtuoso é que percebe que toda fonte de incorruptibilidade está em Deus e que a ponte que nos leva ao sagrado é a Filosofia. Comentário ao conceito de bem e felicidade"Assim sendo, dado que por meio de todas aquelas coisas o que é procurado é na verdade o bem, não são tanto aquelas coisas, mas o bem em si que desejamos. Mas havíamos também admitidos que quando se deseja alguma coisa é em vista da felicidade que ela propicia, e também que todas as pessoas buscam apenas a felicidade. Do que foi dito, conclui-se claramente que o bem e a felicidade propriamente dito têm uma só substancia. Não vejo como negar disse eu. Mas havíamos também demos trado que Deus e a verdadeira felicidade são uma só e mesma coisa.Sim, respondi. Podemos então concluir, sem medo de estar enganados, que o soberano bem reside apenas em Deus, excluindo-se tudo mais." (pag. 81, livro III, capt.19)

Após ler a obra de Boécio, por sinal agradabilíssima, tirei este fragmento acima para comentar o conceito de felicidade e bem, que na verdade são dois membros que formam um mesmo corpo. É como a fusão da chama de duas velas, quando são colocadas unidas, não conseguimos distinguir o fogo de uma e de outra, pois formam uma só matéria.

Um fato que marcou minha leitura de modo especial foi perceber que cada pessoa busca sua felicidade. Esta busca pode ser por diversos e inusitados meios e caminhos, mas o essencial é que todos buscamos a felicidade.

Criei uma agonizante dúvida e vou ater meu comentário a alguns questionamentos que fui construindo e solucionando ao longo da leitura. Vou colocá-los.

Se todas as pessoas buscam a felicidade por diversos e inusitados caminhos e meios, podemos afirmar que todos nós encontramos Deus neste nosso caminhar à medida que estamos proporcionalmente felizes? Quando para sermos felizes proporcionamos a infelicidade dos outros como fica nosso encontro com Deus? Ele, Deus se faz presente neste cenário?

Desta forma, percebo que a felicidade e o bem supremo só são encontrados em Deus. E que este caminho se faz caminhando, se lapidado, orientando-se, e percebendo que tudo que nos porpociona felicidade aponta para um único caminho.

A corrupção de nossas ações nada tem a ver com a essência da felicidade e bem maior, pois estes são uma só e mesma coisa: Deus. E Deus é incorruptível.


João Campestre,

Outubro de 2009.

Trabalho apresentado na aula de Filosofia Antiga

Instituto Santo Tomas de Áquino